
Esperando um tempinho a mais para meus textos literários, enquanto isso, segue uma crítica feita por mim a uma peça que assisti a duas semanas atrás!
O CLUB NOIR foi criado em 2006 na cidade de São Paulo com o objetivo de encenar apenas obras de autores contemporâneos. Os fundadores Roberto Alvim (diretor e dramaturgo) e Juliana Galdino (atriz) descobriram a necessidade de pesquisa de novas maneiras de atuação e montagem para acompanhar a poética dos novos escritores.
Ao se depararem com o texto COMUNICAÇÃO A UMA ACADEMIA, de Franz Kafka encontraram um paradoxo. O autor não é contemporâneo, mas sua obra é atemporal. O grupo se impressionou com a forma e conteúdo do texto e achou por necessidade monta-lo.
Franz Kafka nasceu em Praga - Aústria-Hungria- em 3 de julho de 1883 e morreu em 3de junho de 1924 em um sanatório em Klosterneuburg no mesmo país. A literatura Alemã o considera como um dos maiores autores do século XX.
Sua escrita é caracterizada pela presença de personagens em conflitos existenciais, normalmente ligados a falta de objetivos na vida. Em suas obras percebe-se uma gama enorme de questionamentos sobre a existência e, normalmente, os personagens acabam sós. Por isso, a temática da solidão como fuga, a paranóia e os delírios de influência estão muito ligados à obra kafkiana.
O espetáculo COMUNICAÇÃO A UMA ACADEMIA, mostra um macaco contando sua trajetória de vida até se tornar quase um homem, para um grupo de acadêmicos. O personagem central, representado brilhantemente pela atriz Juliana Galdino, se esforça ao máximo para deixar de ser macaco com medo de voltar a sofrer tortutas que outrora sofrera.
Percebe-se no decorrer da peça, que o animal se espelha nos homens a sua volta para iniciar seu processo de humanização. Com isso, o personagem passa a beber, apesar de não gostar.
Aprende a fumar charuto, apertar mãos, a andar em pé entre outras características humanas.
O interessante é a destreza com que o macaco aprende a ser gente. Ao se dispor a virar uma pessoa, ele trabalhou arduamente até quase consegui-lo.
Porque “quase” consegui-lo? Durante a peça ele não perdeu sua essência de animal. Ele apenas a esculpiu. Alguns gestos, e até o cenário fazem com que o espectador não esqueça que trata-se de um animal. A presença de um segurança (interpretado por José Geraldo Jr.) e de uma corda contornando o palco, mostra claramente que a sociedade ainda não acredita na mudança/evolução do personagem.
Vale ressaltar que a sociedade que está o ouvindo é formada por estudiosos, que teoricamente deveriam ser livres de preconceitos e estariam abertos a novos conhecimentos. O que de fato não ocorre.
Nasce disso um questionamento que traz para os dias atuais o texto escrito em 1917. O processo que se deve seguir para se tornar humano, realmente gera a liberdade? Ao fim do espetáculo percebe-se que não! O pobre macaco, após tentar se igualar aos moradores do lado de fora da jaula para viver no mesmo ambiente que eles, consegue atingir seu objetivo inicial. Ao abrirem a jaula o animal percebe que continua preso. Se sua essência de macaco estivesse totalmente extinta, ele perceberia que a liberdade não é direito dos homens. Ou, ele jamais estaria livre, porque ao fim da peça ele não consegue ser totalmente macaco tão pouco homem.
O que mostra mais uma das características de Kafka, seus personagens diante de uma situação que não planejaram todos os acontecimentos se viraram contra eles, não lhes oferecendo a oportunidade de se aproveitar da situação e, muitas vezes, nem mesmo de sair desta.
Reflexões psicológicas surgem no decorrer do texto, trazendo a tona questões que deveriam ser discutidas urgentemente na atualidade. Mostrando assim, que a escolha do texto feito pelo CLUB NOIR não fugiu a proposta incial do grupo.